domingo, fevereiro 18, 2007

OS MEDIA EM PORTUGAL E OS “ARGUMENTOS” DE SOCRATES

RESUMO DO ESTUDO

Um dos aspectos que caracteriza a conduta da maioria dos media em Portugal é, em relação às questões mais polémicas, fazer passar como suas, as opiniões do pensamento económico ou politico dominante, transformando assim uma opinião em informação (“reenquadramento abusivo” como designa Philippe Breton no livro “A palavra manipulada”), a qual depois, de tão repetida por vários órgãos de informação, e com a eliminação das opiniões diferentes, acaba por passar como a verdadeira perante a opinião pública ( “manipulação por repetição”, segundo Philippe Breton).

Dois exemplos recentes ilustram esta conduta. O aumento dos preços dos combustíveis e a chamada “reforma” da Administração Pública” de Sócrates. Tal como a AdC, o governo e as petrolíferas, a maioria dos órgãos de informação não abordou o fundamento da formação do preço dos combustíveis à saída das refinarias e a margem obtida pelas petrolíferas a nível da refinarias. O preço dos combustíveis à saída das refinarias foi e é, para a maioria dos media portugueses, uma questão tabu e intocável como as petrolíferas pretendem. E isto apesar do preço à saída das refinarias representar 80% do preço de venda ao publico, se retirarmos os impostos. O mesmo sucede em relação aos trabalhadores da Administração Pública. Para o governo, e para maioria dos grandes media portugueses, os trabalhadores da Administração Pública são uma minoria de privilegiados. O que este governo tem feito é reduzir os “privilégios” que esta minoria tinha injustificadamente. E para fazer passar essa mensagem junto da opinião pública a maioria dos grandes órgãos de informação isolam, descontextualizando, determinados aspectos como férias, horário de trabalho, etc. ou então pura e simplesmente ignoram ou silenciam as medidas mais gravosas tomadas pelo governo ou até utilizaram a mentira. Um exemplo apenas. O Diário Económico, em artigo a que deu grande destaque, comparou o subsidio de doença dos trabalhadores do Regime Geral da Segurança Social (igual a 65% do salário) com a parcela de remuneração recebida pelos trabalhadores da Administração (que afirmava ser 100% da remuneração) para concluir que estes eram uns privilegiados, “esquecendo-se” de informar os seus leitores que o que recebem os trabalhadores da Administração Pública, no primeiro mês de baixa, que é a mais frequente, não são 100% da remuneração mas sim 83%, e sobre este valor têm ainda de descontar 11,5% para a CGA e ADSE e pagar IRS, o que não sucede com os trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social cujo subsidio de doença está isento de descontos para a Segurança Social e de pagamento de IRS. E chamado a atenção para o erro cometido recusou-se a corrigi-lo preferindo manter os seus leitores no engano.

Em relação aos aspectos mais gravosos das medidas da chamada “reforma” da Administração Pública do governo de Sócrates que têm sido ignoradas ou silenciadas pela maioria dos órgão de informação interessa destacar a decisão unilateral do governo em alterar o contrato de trabalho que tinha assumido com os trabalhadores da Administração Pública, mudando o vinculo público que constava desse contrato para contrato individual de trabalho; a introdução da precariedade permanente na Administração Pública através dos mapas de pessoal, que podem ser alterados todos os anos, e os trabalhadores considerados em excesso pelas chefias ou são despedidos ou colocados na situação de mobilidade especial; a alteração unilateral de todo o sistema de carreiras que existia na Administração Pública, que assegurava aos trabalhadores um percurso profissional claro e certo, fundindo mais de 1300 carreiras e categorias em apenas três carreiras, cada uma delas apenas com uma categoria, o que determinará que os trabalhadores fiquem sem qualquer carreira profissional obrigando estes a permanecerem na mesma categoria durante toda a vida e, como em cada carreira/categoria foram incluídos trabalhadores com habilitações académicas e competências profissionais diferentes (ex. na carreira de Assistente Operacional foram incluídos operários altamente qualificados, motoristas e auxiliares de limpeza), os trabalhadores da mesma carreira passam a ter funções idênticas, o que significa a polivalência total; o governo de Sócrates decidiu também introduzir graves desigualdades remuneratórias na Administração Pública porque a partir de agora a remuneração de cada trabalhador ficará totalmente dependente do arbítrio das chefias deixando de existir quaisquer critérios objectivos de atribuição; o governo de Sócrates decidiu introduzir o despedimento individual na Administração Pública com base em duas avaliações negativas que nem existe no sector privado e o despedimento por inadaptação utilizando o sistema de avaliação (SIADAP).

Era naturalmente referindo-se a este tipo de comportamentos (argumentos), que naturalmente tanto agradam o 1º ministro e deixam satisfeitos o seu “ego”, que têm sido habituais na maioria dos media portugueses (felizmente não em todos) quando tratam as questões dos trabalhadores da Administração Pública que Sócrates se referia quando, irritado e nervoso perante a manifestação em que participaram mais de 200.000 trabalhadores em Lisboa, afirmou: “Não me impressiona os números (as pessoas). O que me impressiona são os argumentos”.

Sócrates, com a arrogância e auto-suficiência característica, face á manifestação organizada pela CGTP em Lisboa , em que participaram mais de 200.000, irritado afirmou : “Não me impressiona os números (as pessoas). O que me impressiona são os argumentos”. Mas será que os argumentos, que não correspondam às suas ideias feitas e que sejam diferentes daqueles que são habitualmente veiculados pela maioria dos grandes órgãos de informação em Portugal impressionam Sócrates? Para responder a esta pergunta, vamos analisar então alguns dos argumentos e das razões dos sindicatos da Administração Pública que normalmente são esquecidos pelos media a fim de que o próprio leitor possa fazer a sua própria avaliação.

CONTRARIAMENTE AO QUE O GOVERNO AFIRMA A PERCENTAGEM DE TRABALHADORES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É INFERIOR À REGISTADA EM VÁRIOS PAÍSES DA UNIÃO EUROPEIA

No “site” da Direcção Geral da Administração e do Emprego Público, do Ministério das Finanças, está disponível um “Estudo Comparado de Regimes de Emprego Público de países europeus” realizado pelo INA. O quadro seguinte, construído com dados desse estudo, mostra que, contrariamente ao que pretende fazer crer o governo e toda a direita, o número de trabalhadores da Administração Pública em Portugal não é excessivo.

QUADRO I – Percentagem que o emprego na Administração Pública representa

no emprego total de cada país

PAÍSES

% do emprego público em relação ao emprego total

Alemanha

12,9%

Espanha

11,9%

Finlândia

22,9%

França

28,0%

Irlanda

17,9%

Itália

14,1%

Reino Unido

20,4%

Suécia

31,5%

Suiça

15,4%

PORTUGAL

13,4%

FONTE: Estudo comparado do regime de emprego de países Europeus, pág. 4, DGAEP-

PORTUGAL: Estimativa feita com base em 700.000 trabalhadores da Administração Publica

Dos dez países europeus constantes do quadro, apenas dois – Alemanha e Espanha – apresentam percentagens inferiores à de Portugal. Dois países – França com 28% e Suécia com 31,5% - apresentam percentagens que são o dobro da percentagem da portuguesa, que é de 13,4%. Interessa referir ainda que dois países normalmente apresentados pelo governo como exemplos que Portugal devia seguir têm percentagens de emprego público muito mais elevadas do que a portuguesa. É o caso da Irlanda em que 17,9% do emprego total é emprego público, e a Finlândia com 22,9%. Portanto, a afirmação do governo de que é necessário reduzir o número de trabalhadores na Administração Pública para que o País se desenvolva é falsa, pois a experiência destes países prova precisamente o contrário. No caso de Portugal, a redução do emprego público só poderá determinar, inevitavelmente, uma redução das principais funções sociais do Estado (saúde, educação, etc.) com consequências graves para toda a população, nomeadamente para os trabalhadores que têm rendimentos mais baixos.

DESTRUIÇÃO DO VINCULO PÚBLICO SÓ PODE GERAR INSEGURANÇA E FACILITAR CHANTAGEM

O governo e toda a direita tem procurado fazer crer que o vinculo público de nomeação é um privilégio e que isso é incompatível com uma Administração Pública eficiente e de qualidade. Mais uma mentira governamental e da direita.

De acordo com o mesmo estudo realizado pelo INA, a pedido da DGAEP do Ministério das Finanças, em países muito mais desenvolvidos do que Portugal, o vinculo de nomeação é maioritário. É esse o caso da Espanha em que os trabalhadores “nomeados” representam 60% do emprego público; em França representam 55%; e na Irlanda correspondem a 58,7%

O vinculo de nomeação dá mais segurança ao trabalhador, defendendo-o contra pressões e chantagens quer das chefias partidárias quer dos grupos de interesses. É essa uma das razões da sua existência. No entanto, o governo de Sócrates pretende destruir o vinculo de nomeação em relação a mais de 80% dos trabalhadores da Administração Pública. De acordo com o artº 88 da Lei 12-A/2008, aprovada na Assembleia da República apenas pelo PS, “os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que não exerçam funções de soberania transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado” estando a sua execução apenas dependente da publicação de listas nominativas. É evidente que esta mudança, imposta unilateralmente pelo governo, do vinculo contratual fragiliza o trabalhador, tornando-o presa mais fácil da chantagem e das pressões quer das chefias quer de grupos de interesses, o que poderá por em causa o acesso de todos os portugueses, em condições de igualdade, aos serviços públicos. Para além disso, representa também uma clara violação do contrato que o Estado assinou com estes trabalhadores no momento da sua admissão, que incluía o vinculo público, e era de esperar que o Estado, se fosse pessoa de bem, honrasse os compromissos assumidos. Será que o 1º ministro não consegue entender este argumento e a razão do descontentamento dos trabalhadores?

A INTRODUÇÃO DA PRECARIEADADE GENERALIZADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De acordo com o artº 5º da Lei 12-A/2008, existirá em cada órgão e serviço uma mapa de pessoal. E é a utilização deste mapa que gera a precariedade. Segundo aquele artigo, este mapa poderá ser mantido ou alterado em cada ano, na altura de preparação do Orçamento do Estado. As alterações poderão implicar “redução de postos de trabalho”. E segundo o artº 6 desta mesma lei, sendo considerado pela chefia “ excessivo o número de trabalhadores em funções”, sucederá o seguinte: (a) Os com contrato a prazo e por tempo indeterminável são imediatamente despedidos; (b) Se ainda não for suficiente, então serão atingidos os nomeados e ex-nomeados assim como os com contrato por tempo indeterminado no número que ainda for necessário. Os primeiros – os nomeados e ex-nomeados (os que resultam da aplicação do artº 88 da Lei 12-A/2008), são colocados na situação de mobilidade especial (SME); aos segundos, com contrato por tempo indeterminado, é dada a seguinte opção: ou são imediatamente despedidos ou são colocados na situação de mobilidade especial durante um ano e, se durante este período de tempo, não arranjarem novo emprego na Administração Pública, são também despedidos. Portanto, os trabalhadores viverão todos os anos sob a ameaça de que, na altura de preparação do OE, possam ser considerados em excesso e, consequentemente, despedidos ou colocados na situação de mobilidade especial (SME). Será que Sócrates é incapaz de compreender este argumento e esta razão de descontentamento dos trabalhadores?

A DESTRUIÇÃO DO SISTEMA DE CARREIRAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De acordo com os artº 95 a 100 da Lei 12-A-2008 e do projecto de decreto da fusão das carreiras, 302 carreiras e categorias actuais serão integradas (fundidas) numa única carreira – a de Técnico Superior – que tem apenas uma categoria; 466 carreiras e categorias actuais serão integradas também numa única carreira – a de Assistente Técnico – que tem também uma única categoria; e 567 carreiras e categorias actuais serão igualmente integradas numa única carreira – a de Assistente Operacional – que tem também apenas uma categoria. Não foram consideradas apenas as categorias de chefia .

Esta fusão forçada, porque imposta por lei, de cerca de 1.335 carreiras e categorias em apenas três carreiras, cada uma delas com apenas uma categoria, determinará que milhares e milhares de trabalhadores que até aqui tinham uma carreira especifica com funções também especificas passem a ter a mesma carreira e a as mesmas funções. Assim, de acordo com o Anexo da Lei 12-A-2008, a futura carreira e funções (Técnico Superior) onde serão integradas as actuais carreiras de Técnico Profissional e do Técnico Superior passam a ser as mesmas, a futura carreira e definição de funções (Assistente Técnico) onde serão fundidas as actuais carreiras de Assistente Administrativo e de Técnico do Regime geral passam a ser as mesmas; e a futura carreira e definição de funções (Assistente Operacional) onde serão fundidas as actuais carreiras de operário, de motorista, de auxiliar administrativo e de auxiliar de limpeza passam a ser as mesmas. Isto significa que dentro de cada uma das novas carreiras - Técnico Superior, Assistente Técnico e Assistente Operacional – aos trabalhadores que forem integrados em cada um delas, as chefias poderão exigir a realização das mesmas funções, embora tenham como origem carreiras completamente diferentes, portanto com competências adquiridas e conhecimentos diferentes. Será que é difícil para o 1º ministro entender este argumento e a razão do descontentamento dos trabalhadores?

A PROMOÇÃO DOS DESPEDIMENTOS INDIVIDUAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

É neste contexto, em que a chefias poderão facilmente criar situações que permitam avaliar negativamente os trabalhadores ou acusá-los de inaptos para as novas funções, que o governo pretende introduzir, para os trabalhadores nomeados ou ex-nomeados, o despedimento com base em duas avaliações negativas, que dão origem obrigatoriamente a um processo de averiguações que se pode transformar num processo disciplinar ( nº1 do artº 18º do Estatuto Disciplinar); e, para os trabalhadores com contrato individual de trabalhado, o despedimento com base na inadaptação ( artº 405 a 410 do Projecto de Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas). Efectivamente, em relação a este último, de acordo com o artº 406 o trabalhador é considerado inapto, portanto podendo ser despedido, se se verificar uma das seguintes situações: (a) Redução continuada de produtividade ou de qualidade; (b) Avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho; (c) No caso de carreiras ou de categorias de grau 3 de complexidade funcional, ou seja, em relação às carreiras em que é exigida a licenciatura, não tenham sido cumpridos os objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito (o SIADAP serve também para despedir). Será também que o 1º ministro não consegue compreender este argumento dos trabalhadores e a razão do seu descontentamento?

A CRIAÇÃO DE GRAVES DESIGUALDADES REMUNERATÓRIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O governo afirma que a mudança de posição remuneratória dentro de cada carreira é feita com base na avaliação. Mas isso não é verdade porque logo a seguir dá o dito por não dito.

Assim, de acordo com o artº 47º da Lei 12/A/2008, desde que o trabalhador tenha obtido duas avaliações máximas consecutivas, ou três imediatamente inferiores, ou cinco avaliações inferiores à anterior tem direito a mudança remuneratória. No entanto isto, não é nem automático nem obrigatório. Está dependente de existir dotação orçamental para isso. E segundo o artº 46 da mesma, cabe ao dirigente máximo do serviço decidir, no inicio de cada ano, se afecta ou não uma parcela do orçamento que lhe foi atribuído para mudanças de posições remuneratórias. Portanto, está no seu arbítrio afectar ou não. Se não afectar, mesmo que os trabalhadores desse serviço tenham obtido os resultados necessários na avaliação para mudar de posição remuneratória ela não terá lugar. Assim, poderá suceder que num serviço a chefia afecte um a parcela e em outro não, o que determinará que num serviço se verifique mudanças de posições remuneratórias e em outro serviço isso não suceda, criando desta forma graves desigualdades remuneratórias entre trabalhadores de serviços diferentes, embora integrados na mesma carreira e a executar as mesmas funções .

Mas não se pense que a desigualdade se pode gerar apenas entre trabalhadores de serviços diferentes. De acordo com o nº4 do artº 46 da Lei 12-A/2008, essa situação poderá verificar-se dentro do mesmo serviço, pois “as alterações podem ter lugar em todas as carreiras, ou em todas as categorias de uma mesma carreira, ou ainda relativamente a trabalhadores integrados em determinada carreira ou titulares de determinada categoria”. Portanto, o responsável máximo, de acordo com esta lei, poderá afectar uma parcela do seu orçamento para mudanças de posições remuneratórias de trabalhadores pertencentes apenas a uma carreira ou a uma categoria das várias existentes no serviço. E isto mesmo que os restantes tenham obtido nas avaliações os resultados necessários para mudarem de posição remuneratória. É evidente que este sistema baseado no puro arbítrio das chefias gerará inevitavelmente também dentro do mesmo serviço graves desigualdades remuneratórias.

Se juntarmos a tudo isto a chamada regra de excepção prevista no artº 48 da Lei 12-A/2008, que permite às chefias mudar a posição remuneratória de um trabalhador, ultrapassando todos aqueles que, com base na avaliação, estão a frente, assim como a negociação individual da remuneração no acto de admissão entre o trabalhador e a entidade empregadora pública, como estabelece o nº1 do artº 55 desta mesma lei, o que permitirá ao responsável máximo do serviço atribuir ao candidato amigo ou filiado no mesmo partido uma remuneração superior àquela que é auferida por aqueles que já estão há muitos anos no serviço; repetindo, se juntarmos este dois poderes que é dado também às chefias, é fácil de concluir que todo este sistema criado pelo actual governo determinará inevitavelmente a criação de graves desigualdades remuneratórias a nível da Administração Pública, gerando sentimentos de injustiça e de forte desmotivação. E mesmo a alteração obrigatória de posição remuneratória prevista no nº6 do artº 46 da Lei 12-A/2008, não resolve o problema pois, de acordo com sistema de cotas imposto pelo SIADAP, 75% dos trabalhadores da Administração Pública só poderão somar os 10 pontos necessários para que a mudança tenha lugar ao fim de pelo menos 10 anos. Será que o 1º ministro Sócrates também não consegue compreender estes argumento e a razão do descontentamento dos trabalhadores?

Eugénio Rosa

Economista

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