O primeiro pensamento que me veio à memória ao conhecer a triste notícia, foram as palavras que proferiu na missa do meu casamento no último dia do ano de 1977. Tinha morrido Charlie Chaplin “Charlot” no dia de Natal desse mesmo ano e relembro que o Padre António, durante a homilia, recordou o ingénuo vagabundo de bengala e chapéu de côco, galanteador irresistível, como um homem que lutou desde criança para conquistar o pão para comer, que venceu, que viu a glória do sucesso, mas que nunca vendeu a sua dignidade e se referiu a ele dizendo que morreu um fautor da paz.
Chaplin disse que “O Homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar…” O Padre António não morreu, porque “a morte não é o fim. Não é sequer o princípio do fim. Mas é o fim do princípio” (Winston Churchill). Não há solidão mais triste e pungente do que a do homem sem amigos e por isso amou a vida e granjeou amizades por onde passou, o que em muitas circunstâncias testemunhei. Ao sacerdócio, juntou e abraçou a carreira de educador, iniciada na então Telescola de Casegas, facto que a minha mulher há pouco me recordou, deixando escapar umas lágrimas mais furtivas, lembrando que apenas resta ela dos primeiros quatro professores do Posto de Telescola, e que foram: o saudoso Professor Zé Matos e a mulher Dona Carmo, prematuramente desaparecidos, e o Padre António que também agora nos deixa.
Esforço-me por remexer no baú das minhas recordações de infância e são ténues as memórias que guardo do Padre António. Aparecem bem vivas mais tarde e revisito-as hoje com saudade e pesar.
Separam-nos, é certo, 17 anos de vida, e a boa vizinhança dos meus avós maternos com os Pais e Tio do Padre António, vivida diariamente no “Favacal”, fez crescer em mim uma amizade “quase” familiar pela sua família.
Estávamos nos finais dos anos 60, início da década de 70, quando o Padre António regressado de Angola onde serviu o exército como capelão, regressa à Terra onde fixa residência. Traz o saber, e a força das convicções e juventude. Sacerdote “moderno” envolve-se no quotidiano da Aldeia. A sua participação cívica, envolve-o no dia a dia da Comunidade que anima na organização de festas, na Liga de Amigos, no estímulo à construção do Monumento em Honra do Anjo da Guarda, e leva-o mais tarde à Presidência da Casa do Povo e da Junta de Freguesia assumindo claramente as suas opções políticas que não misturava com a condição de sacerdote.
Foi um acérrimo defensor da liberdade e contribuiu para a construção do Estado Social que a Democracia permitiu edificar.
Sem temer a hierarquia eclesiástica conservadora, e o julgamento crítico arraigado nalguns extractos da População e sobrevivente aos 40 anos de obscurantismo, convivia activamente com a juventude que então enchia o Salão, a Casa do Povo e os cafés das Aldeia e que escolhia a Fonte de Baixo, a Eira, o Adro, a Vinha, o Marco e a Ponte para as suas tertúlias e convívios.
Tantas e tantas noites no “forno” do António Padeiro a fortalecerem uma grande amizade.
Quantas vezes o nascer do sol nos surpreendeu na “pipa” do Ti Zé Marcos, onde bebericando um copo, gostava encontrar-se com os amigos após o cumprimento das obrigações sacerdotais que lhe foram confiadas na Mata da Rainha e mais tarde em São Martinho e Barroca do Zêzere.
Eram dele, o primeiro gira discos e gravador de “fita” que vi, e que o irmão e amigo, Dr. João Alberto “martirizava” num constante movimento, com a música de Zeca Afonso, do Adriano, do Zé Mário Branco, e tantos outras que ainda conhecemos como os ”anos 60.”
Foi dum duplicador que possuía, accionado manualmente através duma manivela, que saíram os primeiros “panfletos e propaganda eleitoral” que distribuímos à População. Muitos dos álbuns de fotografias de alguns casamentos, tiveram-no como fotógrafo de circunstância, ( o “Rosel” como o tratava de forma amistosa o António Padeiro) e foram feitos com a sua “Pentax”, ajudado num ou outro caso por mim e pelo Zé Luís Branco.
São agora duas e meia da manhã e um turbilhão de recordações e sentimentos fazem-me acreditar que a viagem mais importante que podemos fazer na vida, é encontrar pessoas pelo caminho.
Muitas tenho encontrado.
Casegas perdeu hoje um filho ilustre, um Homem bom e um amigo.
Até sempre Padre António.
Casegas 31/05/2007
César Araújo Craveiro
7 comentários:
Linda homenagem!
Faço minhas as tuas palavras César. Embora de uma outra geração reconheço o papel importante por ele desempenhado. Certamente se os padres fossem todos assim, teríamos um mundo melhor.
Adeus António, até um dia!
Serás sempre o pároco que Casegas necessita...
Boa homenagem César Craveiro!
Parabéns César pela elevada prosa. Traduz o essencial. Deu à Terra o que ela precisava: respeito e tolerancia. Integrou-se nela e em todos criou amigos.Foi um Homem. Até um dia Padre António.
Neste comboio da vida, pelo qual todos passamos, infelizmente nem todos descemos na mesma estação. No período da viagem em que nos cruzamos, que pode ser curto, há pessoas que pela sua postura, pelo seu exemplo, pelo seu carinho deixam grandes saudades e marcam a vida de outras pessoas. Foi o caso do Padre António. Tive a sorte de me cruzar com ele neste comboio, já que era um grande amigo do meu pai. A melhor homenagem que agora me ocorre prestar-lhe é dizer que se eu algum dia tivesse seguido para padre queria ser como ele. Um bom ouvinte, acérrimo nas suas convicções, sempre pronto a ajudar, não a criticar e convivendo como deve fazer qualquer pessoa. Até sempre Padre António
P.S.Queria deixar tb os meus parabéns pela excelente homenagem feita por Cézar Craveiro
Casegas está mais pobre.Até um dia,Padre António!
Guardo em minha memoria os curtos, mas bons momentos, passados na tua companhia.Até un dia Padre Antonio
P.S. Parabéns César
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