sexta-feira, agosto 22, 2008
Á conversa com Padre Mário. Cavaco e divórcios.
Estou espantado com a leviandade com que o bispo Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa e Auxiliar do Patriarcado, acaba de acusar os deputados da Assembleia da República de "leviandade", por terem aprovado, com a legitimidade que o mandato lhes confere, uma lei que introduz grandes e significativas alterações à actual lei do divórcio, e que ontem, surpreendentemente, foi vetada pelo presidente Cavaco, com razões e argumentos retrógrados e moralistas que vão, obviamente, ao encontro da hierarquia católica, da qual ele é, notoriamente, desde a sua meninice, um dos seus mais fiéis súbditos, juntamente com a sua mulher primeira dama, um e outra, neste momento, mais do que empenhados - este veto não podia ser mais revelador - em garantirem um novo mandato presidencial de cinco anos à frente do país, quando o que agora está em curso chegar ao seu termo. "Ainda bem - diz o bispo Carlos Azevedo, na sua hipócrita e leviana reacção ao veto presidencial - que o Presidente da República teve em conta o maior bem das pessoas e é uma consciência ética, crítica da leviandade com que muitas vezes o Parlamento produz leis". O país ficou, assim, a saber que, no sentir do colectivo dos bispos católicos portugueses, o Parlamento português tem sido "muitas vezes" leviano, no acto de produzir leis que regulam a o nosso viver nacional em sociedade. E, pelos vistos, "muitas vezes". A afirmação é gravíssima e poderá abrir uma guerra entre a hierarquia católica e o Estado português. Uma guerra que eu, pessoalmente, saudaria, porque poderia vir a pôr termo - é o divórcio que eu mais desejo - a esta vergonhosa mancebia entre o Estado português e a Igreja católica que vem já desde 1940, quando o ditador Salazar assinou uma Concordata com o Estado do Vaticano. Esse, sim, seria um divórcio ético e exemplar que agradaria muito a Deus, o de Jesus, e que libertaria a Igreja, toda a Igreja católica, para a fecunda profecia martirial e duélica que lhe cumpre viver / protagonizar na História, em vez de apenas insistir neste tipo de denúncias pontuais, para cúmulo, feitas sempre em busca de mais e mais privilégios eclesiásticos, qual deles o mais nojento. Regressaríamos, então, com esse divórcio - e que alegria a minha como presbítero da Igreja do Porto, se tal sucedesse! - a 1911 e à Lei da separação entre a Igreja e o Estado, a única situação verdadeiramente saudável para o Estado português e para a Igreja católica em Portugal. Mas isto já não quer o colectivo dos bispos católicos portugueses. A consciência ética de que fala o bispo Carlos Azevedo, em nome de todos eles, não é deste quilate. Antes fosse. Não passa de uma ética meramente oportunista, à caça de privilégios perdidos. No fundo, o que o colectivo dos bispos católicos portugueses deseja é o regresso em força à velha Cristandade que durou até à implantação da República - clero, nobreza e povo, lembram-se?! - em que os bispos e os seus párocos tinham no Estado o seu braço secular, sempre pronto a fazer cumprir as suas leis, as suas decisões canónicas, o seu Moralismo infantilizador, uma espécie de sacristão sempre disponível para executar a soberana vontade do clérigo no altar, a segui-lo como cão fiel para todo o lado e a obedecer-lhe sem nunca lhe refilar, sem nunca lhe ladrar, sob pena de poder acabar excomungado! O colectivo dos bispos católicos portugueses e os bispos da Igreja católica em geral ainda não sabem viver numa sociedade secularizada, laica, como é hoje a nossa e, infelizmente, ainda muito pouco. Como tal, não perdem uma única oportunidade, para tentarem fazer a sociedade regressar à velha Cristandade que, por sinal, jamais deveria ter existido. O bispo Carlos Azevedo, neste particular, é por demais reincidente e parece que já nem tem emenda. Desde que fizeram dele bispo auxiliar do Patriarcado e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa e responsável por outras ninharias eclesiásticas mais, o Poder subiu-lhe à cabeça e, de homem da mística e da espiritualidade que era e que eu pessoalmente conheci e apreciei, tornou-se no que hoje está aí bem à vista de toda a gente. Digo-o com tristeza. Melhor ele tivesse continuado pelo resto da sua vida na condição de presbítero, discreto acompanhante espiritual maiêutico das pessoas, um ministério em que foi altamente fecundo. Agora, como bispo-poder eclesiástico, é de uma aflitiva esterilidade, como os espinheiros, porque tudo o que diz e faz tem a marca do Poder, do Privilégio, da Arrogância, não tem a marca do Espírito, o de Jesus. Oxalá ele me oiça e tenha a simplicidade de regressar à alegria e à paz com que anteriormente sempre se apresentava vestido. Quanto ao veto de Cavaco e da sua primeira dama, provavelmente, soprado por algum clérigo com mais entrada na vida do casal católico que ambos fazem questão de dizer publicamente que são, espero que o Parlamento saiba manter-se firme no essencial da lei que já aprovou. Não faça como o primeiro-ministro Guterres que ia por tudo o que lhe dissesse / soprasse o seu confessor Milícias, com um viver muito pouco franciscano, ou não fosse totalmente verdade que o hábito só por si nunca faz o monge, no caso, o franciscano. Em vez disso, saiba resistir com audácia e lucidez a mais esta investida da hierarquia católica, via presidente Cavaco e sua primeira dama. E, já agora, aproveitem também a ocasião para dizerem ao bispo Carlos Azevedo e ao colectivo de bispos de que ele é o porta-voz que, se quiserem ter voto nesta matéria do divórcio civil, comecem por reconhecer àquelas e àqueles que um dia, levados pela pressão da tradição, do medo, do moralismo e, também, pela vaidade, realizara, o chamado casamento canónico ou pela Igreja e, por via disso, ficam para sempre condenados a ter de viver amarrados um ao outro, mesmo que o casamento se tenha convertido num autêntico inferno para ela e para ele, assim como para os filhos e as filhas de ambos. Digam-lhes que, se quiserem ter voto nesta matéria, comecem, primeiro, por acabar com o casamento canónico, em favor do Sacramento do Matrimónio sem a prepotente ingerência do pároco da noiva ou do noivo, e, depois, ainda reconheçam, também no interior da Igreja, que aquilo que o Amor já separou, o Poder eclesiástico não continue, teimosa e sadicamente, a manter unido. Enquanto não forem capazes de um nível ético deste quilate, então que, pelo menos, permaneçam calados e deixem a Sociedade seguir o seu curso. Na Liberdade, rumo à Maioridade Humana!
Padre Mário
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